06/01/2009

Deserto Feliz?



Jéssica vive no interior pernambucano com seus pais, de onde decide fugir depois que é estuprada pelo pai e termina na cidade grande, ganhando a vida como prostituta. Mora com outras garotas de programa em um apartamento e sonha encontrar um estrangeiro que a leve para o exterior. Encontra Mark, um alemão que decide trazê-la consigo para sua terra natal, mas ela, ainda assim, precisará lidar com as intempéries da vida.

Paulo Caldas – co-diretor de Baile Perfumado e O Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas – se utiliza de uma estética que oscila entre o ficcional e o documental, corroborando uma tendência presente tanto em produções nacionais – vide Baixio das Bestas, Cinema, Aspirinas e Urubus e O Céu de Suely – quanto estrangeiras – 4 meses, 3 semanas e 2 dias, O Guardião e o recente O Silêncio de Lorna. Nestas, predominam a câmera na mão, os longos planos – por vezes, silenciosos -, ausência quase total de trilha sonora – exceto quando diegética, ou seja, como elemento presente na mise em scène ­– e de iluminação artificial. Esta estética naturalista nasce no neo-realismo italiano, recebe influências do cinema verité francês e evolui pelo Manifesto Dogma 95 até encontrar lugar em produções que almejam um público maior.

O desenvolver lento da narrativa – dividido em três atos (vida no interior, na cidade e no exterior) – causa um encanto incômodo, quando se tem consciência das e identificação com as frustrações da personagem. Se a história poderia facilmente resvalar para um final feliz, Caldas reserva ao espectador uma nova discussão, trazendo a idéia de uma insatisfação que persegue o ser humano onde quer que ele esteja. Ainda que todos os sonhos que ele tiver se tornem realidade, a falta de perspectiva ainda se faz presente, ou seja, sua insatisfação o move - mas não se sabe para qual direção. Ainda que viva em uma condição melhor, Jéssica permanece insatisfeita - parece não saber o que a move - e decide resignar-se à sua infelicidade. Caldas não responde a essa pergunta ou provocação, mas exige de seu espectador cumplicidade para tentar respondê-la. Ao menos, para si mesmo.

Longe de ser panfletário, Caldas constrói um longa bem arquitetado e interessante – ainda que possua algumas cenas que destoam da linguagem proposta e soam forçadas, estas não são o suficiente para desfazer o inquieto prazer de acompanhar a trajetória de Jéssica pelo submundo pernambucano.

2 comentários:

  1. Mara Marcio...vc nasceu para isso...beijos Gatão

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  2. Gostei muito, Márcio! Bela resenha! Fluida, interessante, envolvente, esclarecedora, feita para leitores de todas as origens. Dá vontade de ler mais. Escreva mais!!! Parabéns!!!
    Abração

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