23/06/2010

Personagens doc-fic em Viajo porque preciso, volto porque te amo


No início do cinema, enquanto os irmãos Lumière atinham-se ao registro do cotidiano, o fantasioso George Melies se ocupava em criar um novo mundo através das técnicas que forjava com a nova invenção. Com a crescente sofisticação da produção e da linguagem cinematográfica, passou-se a classificar as obras em duas lacunas: documentário e ficção. Essa idéia de classificação evolui de um conceito racionalista de possibilidade de taxionomia para a constante transição entre gêneros, com fatos reais influenciando a criação ficcional e a fantasia se permitindo ser mais concreta através de dados e situações da realidade.
Em Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo, nosso narrador-personagem José Renato, interpretado sutil e densamente por Irandhir Santos, narra em seu diário audiovisual pensamentos, sentimentos e expõe conversas que realiza com pessoas que encontra em sua jornada Brasil adentro através de seu trabalho como geólogo. Marcelo Gomes e Karin Ainouz compõem um documentário pessoal e experimental, que oferece um ponto de vista particular sobre algo que qualquer um de nós poderia fazer: uma viagem. Talvez a maior genialidade desta obra esteja em expor a parcialidade de um ponto de vista, ao invés de distanciar-se na narração em off genérica. Ao assumir uma perspectiva sobre os lugares e fatos que experimenta, os cineastas apontam para um documentário com uma autoria que se expõe, mesmo que através de um personagem.
O jogo entre real e ficcional tem permeado a gênero ao longo dos últimos anos, através de longas como Jogo de Cena (Eduardo Coutinho, 2007) e Santiago (João Moreira Salles, 2007), denotando como a verdade é algo deveras complexo na construção de obras que exigem um olhar pessoal sobre seus objetos/personagens.

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