15/11/2010

Janela Crítica - BRA 06 – Estamos Todos Juntos


Refletindo sobre laços familiares feitos ou desfeitos, o programa incluiu curtas que empregavam diversas técnicas a fim de trazer à tona sentimentos como saudade, compreensão e até humor. Todos eles, conectados de alguma forma à relação da infância com o protótipo de mundo que encontra no microcosmo do seu lar.

Ensolarado (Ricardo Tagino, 2010), o primeiro curta da noite, versa sobre a trajetória de uma menina que mora no sertão castigado pelo sol, cujo desejo de fugir para um lugar diferente e a descoberta de uma forma de fazê-lo procuram ocultar o que está mais evidente na narrativa: a saudade que se seguirá após a partida da menina para outro lugar. O trabalho com não-atores traz um frescor e uma veracidade imensa ao curta, ao contrário do emprego das cores desbotadas e dos close-ups extremos, que oferecem, paradoxalmente, uma textura árida que enfatiza o discurso da obra.

O segundo curta-metragem – Avós (Michael Wahrmann, 2009), que já havia sido exibido na noite de abertura – trata das relações entre um neto e seus avós: um olhar carinhoso e compreensivo sobre aquelas pessoas que parecem tão confiantes e tão frágeis ao mesmo tempo. Uma direção forte sem ser invasiva e um roteiro que toca pela sutileza com que aborda um relacionamento distanciado no tempo, mas não na presença física. Enquanto que, na abertura, seu foco pudesse ser a relação de amor com o cinema e a possibilidade de olhar para si mesmo, quando o vemos neste programa, privilegia a observação das relações de afeto que existem naquela casa, ainda que veladas.

Da melancolia do curta anterior, parte-se para a descontração do registro de um dia de brincadeiras em Perto de Casa (Sérgio Borges, 2009) -, onde podemos observar a espontaneidade da criança, que vê naquele monte de areia a infinitude do universo e muito mais: um modo de lidar com as surpresas que encontramos e os desafios que propomos a nós mesmos, mesmo que seja somente brincar pelado. Um trabalho que seria facilmente encontrado em sites como Youtube®, mas que ganha neste programa um status de arte do cotidiano, de liberdade criativa nos momentos prosaicos.

Retornando a um painel mais dramático das relações familiares, o público se emocionou com um curta sobre uma saudade de quem não se conhece, sobre uma tentativa de idealizar para si uma mãe, a partir de um punhado de cartas. Assim se pode definir o trabalho da criadora de Querida Mãe (Patrícia Cornils, 2009), um registro audiovisual da busca engendrada por ela pela história de sua mãe, Zélia Maria. Mesmo que, de início, caminhe um pouco confuso – pela construção pouco fluente entre leituras de cartas e depoimentos -, o espectador acompanha sua jornada até um momento-chave, quando a diretora chora durante a locução de uma das cartas e acontece uma empatia imediata: a descoberta de uma vida anterior a si mesmo e a possibilidade de compreender seu lugar no mundo tocam profundamente o público presente.

Finalizando a noite com uma animação que emprega a técnica de rotoscopia, o curta Balanços e Milkshakes (Erick Ricco e Fernando Mendes, 2009) oferece ao espectador uma história terna que exibe o desabrochar de um relacionamento entre duas crianças. O diretor consegue ir além do que as imagens lhe propõem e, se, em alguns momentos, a narração parece confusa e redundante, é por que ela deseja conduzir seu público pela construção daquela poética infantil da maneira mais clara possível.

Ainda que pareça ter sido pensado no relacionamento de núcleos de parentesco, este programa une todas aquelas histórias em uma única biografia: a do universo, onde todos nós - crianças, avós, mães, pais, irmãos, amigos, parentes distantes etc – estamos juntos na construção de um universo que se estende além de nós mesmos e se conecta com o eterno e o fugaz ao mesmo tempo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário