30/07/2011

Do Feminino e Masculino - Ricky



Desde as primícias da Humanidade, a composição familiar centra-se na figura feminina como detentora da “organização” do universo do lar, relegando-se ao homem o papel de provedor material por meio do trabalho – na caça, na agricultura ou na empresa. A mulher, então, começa a desenvolver um perfil de cuidadora de todos os membros da família, dedicando, muitas vezes, sua vida mais para o bem estar dos outros do que de si mesma.

Em Ricky (idem, 2009, François Ozon), o diretor opta por mostrar a constituição de uma família contemporânea “convencional”: mãe solteira, Katie, criando uma filha pequena, Lisa, que, ao se relacionar com um colega de fábrica, Paco, termina por ficar grávida e trazendo o novo namorado para morar na sua casa, o que desestabiliza as noções de harmonia familiar da primogênita. Com roteiro do próprio Ozon, o longa mescla realidade e fantasia com o nascimento do pequeno Ricky, que passa a desenvolver características diferentes das outras crianças: um par de asas. Por motivos que o diretor jamais esclarece, a mãe começa a perceber pequenos hematomas nas costas do menino, que, com seu crescimento, transformam-se em asas. A mãe, então, passa a escondê-lo dos vizinhos e dos médicos, até que uma inesperada exibição no supermercado chama atenção da cidade e da mídia, levando a moça a se enclausurar em seu próprio apartamento.

Optando pela sutileza, Ozon enquadra belamente seus atores -principalmente o ator mirim - com uma fotografia cotidiana e que alterna entre o colorido e o quase desbotado para oferecer o aspecto de realidade / fantasia que almeja imprimir. Sua trilha sonora, com suas doses cômicas, fantásticas e dramáticas, e montagem, que ora suprime ou ora dilata a sensação de passagem de tempo, oferecem ao longa ares que distinguem Ozon de outros cineastas europeus, como se mesclasse o painel real e doloroso dos irmãos Dardenne com a fantasia banal de Jean-Pierre Jeunet.

Por mais que invista em uma abertura deslocada do contexto da protagonista - mostra Katie, depois de Ricky estar crescido, indo em uma agência de adoção para entregar o menino para algum casal que consiga criá-lo, o que destoa de seu comportamento ao longo do filme -, o diretor suplanta essa e outras pequenas falhas com uma despretensão que conquista o espectador pela leveza com que é conduzida. Ao final do longa, resta ao público emocionar-se com a trajetória dessa mãe que, pela bem tecida metáfora empreendida pelo autor, sente a necessidade de deixar seu filho fluir pelo seu próprio curso distante dos seus cuidados, e dessa filha, que também abre espaço no seu coração para um padrasto que sempre se interessou em agradá-la, formando um núcleo familiar atípico, mas harmonioso à sua própria maneira.

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