28/07/2011

Meia Noite em Paris – Ode à Arte e ao Tempo



Ao construir obras de arte, o ser humano procura de alguma forma relacionar-se com o tempo e o contexto que vivencia. Criando símbolos e mitos que comunicam estados, pensamentos e qualidades de um chamado “mundo interior”, os artistas podem, por conta dessa dedicação ao criar, distanciar-se, por vezes, do ordinário, do comum.

O tempo se dilata e a beleza das ruas parisienses se agiganta com a bela abertura de Meia Noite em Paris (Midnight in Paris, 2011, Woody Allen), em que o diretor destila suas neuroses carregadas de imaginação na pele de Gil Pender, um roteirista hollywoodiano que, insatisfeito com sua carreira, reescreve constantemente um romance que esconde a sete chaves das críticas alheias. Sua vida começa a mudar quando, em viagem com sua irritante noiva à Cidade Luz, resolve caminhar pelas vias parisienses e entrar em um carro antigo que o conduz a um mundo nostálgico, em que grandes artistas – como F. S. Fitzgerald, Ernst Hemingway, Picasso, Dali e Cole Porter – festejam e dialogam ad infinitum sobre o fazer artístico que Pender tanto aprecia.

Decepcionado com os “sub-artistas” do mundo contemporâneo, Pender anseia ardentemente habitar a Paris dos anos 20, que estima pelo intenso fervilhar criativo que proporcionou no encontro de tantas mentes inventivas. Nesse admirável mundo antigo, conhece a bela e sensível Adriana, que, surpreendentemente, aprecia o passado de glórias da Belle Époque de 1900 em detrimento do tempo que vivencia. Aludindo à A Rosa Púrpura do Cairo, a metalinguagem de Allen torna prosaicos os elementos fantásticos de um roteiro despretensioso que reflete e sente o prazer da Arte, mesclando realidade e fantasia em uma sofisticada jornada do homem rumo ao seu próprio tempo. Em seu elenco, Allen aprofunda as personas representadas por Owen Wilson e Marion Cotillard através de um improvável romance entre seres de temporalidades distintas, relegando, porém, seus coadjuvantes a estereótipos fúteis e pedantes em uma narrativa de segundo plano que, pelas presenças magnéticas de Rachel McAdams, Michael Sheen e Kathy Bates, jamais perde o charme. Nesse ourobouros de nostalgia, um universo alleniano se constrói através de belos enquadramentos e de uma fotografia que pinta um cotidiano luxuoso e uma trilha sonora que desvela um encanto pelo clima parisiense, conotando um amor não somente pela Cidade Luz, mas pelas pessoas que a tornaram e ainda tornam, de alguma forma, única.

Mesmo optando por um incômodo didatismo ao expor as conclusões de seu protagonista no ato de escolher entre realidade e fantasia no clímax da narrativa, Allen nos faz sentir e compreender a necessidade e a complexidade desse inevitável desígnio pelo real, por mais que almejemos vivenciar devaneios que nos conduzam para além de nós mesmos, à vanguarda de nosso universo interior.

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